Quando antes
- Sâmila Candeia
- 4 de jul.
- 2 min de leitura
Na semana passada, após notícias da morte de pessoas próximas à minha família, passei a pensar em como tantas coisas se alteram radicalmente de um minuto a outro sem que, a princípio, haja algo a ser feito. Me recordei de quando estive como estagiária com um grupo da faculdade no CAPS AD Laranjeiras (Serra/ES) em 2021.
Uma das atribuições da nossa ocupação lá era a de propor atividades coletivas e, ao mesmo tempo, oferecer e experimentar uma escuta. Certo dia foi decidido por exibir o filme "Gurufim na Mangueira" (2000), da diretora Danddara. É um filme sobre a cerimônia de morte de um líder comunitário do Rio de Janeiro. No contexto do CAPS AD, em que os usuários do serviço estão em uso prejudicial de uma ou mais substâncias e inseridos em situações de vulnerabilidade social, pode-se dizer que é um filme que se relaciona de maneira quase íntima com o que se passa ali.
Enquanto assistíamos ao filme, chega a cena em que um caixão com o morto aparece. Quase imediatamente, uma das usuárias do serviço abre um choro e não suporta permanecer na sala conosco. Em acolhida, ela conta que há pouco tempo alguém muito próximo da família dela faleceu.
É curioso participar de situações assim e perceber como as conexões entre os estímulos externos e o nosso corpo acontecem. Foi um momento de reencontro com o real daquela pessoa ali, havia algo a ser elaborado sobre aquela morte, que não é a morte exibida no filme.
A tentativa dos serviços de saúde mental, e mesmo do trabalho de um analista, que se dispõe a fazer relação com a arte é justamente a de oferecer (ou emprestar) recursos para que as elaborações, sobre qualquer coisa que se mostre, sejam possíveis. Na sutileza dos encontros, do corpo e das palavras alguma transformação se realiza, mesmo que com um pouco de angústia.