Fazer com a espera
- Sâmila Candeia
- 2 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 22 de out.
Por Andressa Riguête (@andressariguete.psi) e Sâmila Candeia (@scandeiar).
Esperar uma consulta quando se vai ao médico, pegar uma fila num banco ou ainda almejar que algo "dê certo": existem pequenas cenas no cotidiano que nos colocam diante do real, onde nem sempre os planos se realizam conforme o planejado, conforme o esperado. E então é preciso se deixar esperar. O tempo se impõe como um real, como aquilo que não cede a nosso desejo.
Mas o que se passa na espera? A palavra esperar pode rumar para dois caminhos, no contexto atual. A espera pode ser, por exemplo: 1. estar à espera ou 2. ter esperança. É como uma trama que envolve o tempo, que fica entre o aguardo e a esperança. Eu diria que a espera aguarda uma conclusão, um momento de concluir. A possibilidade de ter que adiar um plano, de ter que esperar para que algo se conclua gera um terremoto, estremece. É um abalo sísmico na nossa grande ilusão de controle sobre o tempo e sobre as coisas no mundo.
Enfrentar a pressa, permanecer em um lugar de modo mais prolongado, mesmo que provisoriamente, e na sua posição, na sua aposta. Penso que é mesmo difícil lidar com não saber o que vai acontecer, com o tempo de espera que a lida produz. O tempo de espera é frequentemente muito maior do que o tempo quando tudo de fato acontece. O que acontece, acontece rápido, numa velocidade, e passa. Esperar parece uma coisa passiva, mas não precisa ser. De fato, aqui, não é. Às vezes é preciso viver a espera para além da espera.
Há um deslocamento na posição de espera: a projeção aponta para o futuro, mas também se direciona a um certo passado simbólico, que nos coloca em estado de suspensão. Uma suspensão que se localiza para além de uma temporalidade alinhada com o tempo cronológico. O tempo se dilata, se prolonga ou até se desconecta de outros tempos.
Na pressa por concluir e viver mais rápido, para morrer mais rápido, entre o verbo e o rápido existe um mais: aí a espera – em adição e abertura. O tempo de espera antes da conclusão me faz pensar sobre um tempo em que as coisas ainda estão em aberto, em que não foram concluídas, tempo em que as pontas ainda estão soltas, e pouca amarração foi feita. Almejamos as coisas prontas, a ideia de organizar demais inclusive, fazer diversas planilhas, cronogramas, com o tempo cronometrado, nos dá a falsa sensação de que tudo vai se resolver ou ocorrer conforme aquela fantasia de organização. Até mesmo com a organização se cria uma fantasia de realização, digo aqui de planos para vida, do que se está querendo fazer para chegar a algum lugar, conseguir um novo emprego, ou aperfeiçoar coisas do próprio trabalho, melhorar os estudos, etc. Mas apenas a organização e planejamento não faz com que a fantasia se realize.
A gente se depara com o tempo, com as impossibilidades, com a nossa impotência, em que nem tudo depende da gente, isso é se deparar com o que chamamos, em psicanálise, de castração: é um limite. Isso mostra que não vamos conseguir realizar tudo de pronto, pelo menos nem tudo, nem tão fácil ou sem angústia.
A gente trama muitas coisas em silêncio, trama muitas coisas se deparando com o real da vida, até que surja uma possibilidade de concluir. A conclusão parece um instante, uma velocidade. Como esperar sem pensar na conclusão?
O caminho que o desejo faz é de uma desorganização. Não sem pistas ou sem sentido. Pode ser num fora-de-sentido, mas na dimensão do transbordamento. Dar conta disso ao mesmo passo de tempo que se caminha é como os problemas aparecem.
Uma possibilidade é seguir investindo naquilo que é pista de desejo, mesmo que não se conclua a princípio. A “graça” pode ser a constância, a continuidade. Dá sim vontade de fugir para qualquer outra coisa com menos angústia. E surgem dúvidas como “será que é isso mesmo?”. Não é como se fosse um movimento desordenado o que acontece em direção a uma continuidade, que aponta para tudo e não encontra nada: a ordem acontece por outra lógica. Parece que manter uma constância também exige da gente caminhar por um desconhecido. Desconhecido porque talvez nunca se chegou a esse ponto antes. Tenho andado interessada nisso: nessas (im)permanências. Tentar ser inteira é ir de encontro ao despedaçamento.
Da tentativa de inteiriça, me interessam também as dinâmicas de preenchimento e esvaziamento que aparecem como possíveis, e que não deixam de ser angustiantes. O movimento de ir de encontro a algo onde o desejo se localiza, em alguma medida, produz um preenchimento, uma conclusão que é temporária e se esvazia de sentido numa outra sequência de acontecimentos. A esse movimento precisa-se inventar um suportar, afinal não é possível escapar do tempo.
“É difícil 'se explicar' – uma entrevista, um diálogo, uma conversa. A maior parte do tempo, quando me colocam uma questão, mesmo que ela me interesse, percebo que não tenho estritamente nada a dizer. As questões são fabricadas, como outra coisa qualquer.”
– Menções:
“O tempo lógico e a asserção da certeza antecipada, um sofisma” em “Escritos”, de Jacques Lacan.
“Análise”, de Vera Iaconelli.
“Diálogos”, de Gilles Deleuze e Claire Parnet.


